Por exemplo,
você pode não gostar do estilo ou da estampa de uma camisa de alfaiataria
italiana, mas mesmo assim vai poder dizer que seu tecido é de boa qualidade; você
pode não gostar de carro alemão, mas vai admitir que seu motor dificilmente vai
te deixar a pé; você pode preferir filmes de vanguarda, mas vamos combinar que uma
mega-produção hollywoodiana é tecnicamente perfeita. Nestes casos seu gosto segue seu caminho, mas
temos uns dados incontestáveis.
Já para
vinho isso praticamente não existe: a avaliação de qualidade é guiada totalmente pelo gosto pessoal. Você não gosta do vinho que eu gosto e vice-versa.
Quem está certo?
Uma das
classificações mais interessantes que já vi é do famoso enólogo italiano
Roberto Cipresso - autor de vinhos cult, desde Soldera Case Basse a Achaval
Ferrer, no seu livro Romanzo del Vino
(não sei se existe a versão em português). Ele divide o
vinho em 3 categorias: vinho-rapidinha, vinho-relação, vinho emoção.
O vinho-rapidinha satisfaz as
expectativas mais simples, as infantis: o desejo de doce. A doçura é a primeira
sensação gustativa que percebemos, a mais fácil. Por isto o vinho-rapidinha é
na verdade um vinho-guloseima (eu diria um vinho-jujuba, vinho-brigadeiro,
vinho-quindim, etc...). Levante a mão quem não tem um amigo/a que não gosta de
vinho seco, mas adora vinho suave, ou vinho de sobremesa.
O vinho-rapidinha
pode ser seco também, mas de qualquer forma é adocicado, amanteigado, gordo. É
o caso clássico do Shiraz australiano, do Cabernet californiano, do Malbec
Argentino, do Primitivo e do Amarone na Itália, do Châteauneuf-du-Pape
na França (claro, isso generalizando, com todas as devidas exceções que
confirmam a regra). Vinhos tão cheios de madeira que acabam cancelando os
aromas típicos das respectivas castas.
O
vinho-rapidinha é o Obladí Obladá da
enologia, aquela melodia típica do Paul McCartney, que desde pequeno vai
cantarolando convencido que aquela é musica de verdade: você não precisa
escutar várias vezes, é algo que agrada imediatamente, que faz dançar, que
não requer competências musicais. Da mesma forma, por exemplo, o Malbec agrada
imediatamente.
Não é um
crime gostar destes vinhos. Mas talvez seja um crime parar por aqui. Quem parou
no Obladí Obladá nunca entendeu a
virada futurista do Lenon, de Jealous Guy
a Yoko Ono (não, ok, Yoko Ono talvez não).
Já se você for
um curioso, um dia vai se deixar seduzir pelo vinho-relação, chegando a procurar no vinho sensações não
confortáveis, como sapidez, acidez, adstringência. Algo que te coloque á prova,
que te estimule: como numa relação, para funcionar você tem que se entregar, deixando do lado seus egoísmos e estar aberto á caraterísticas diferentes que inicialmente incomodam, mas que depois se tornam essenciais.
Então lá vai
um Cabernet Franc, um Sangiovese, um Petit Verdot, um Tannat, um
Baga, um Monastrell, um Aglianico...
Uma vez
chegado até aqui é difícil parar neste estádio intermediário: você vai querer chegar
ao topo, ao vinho obra de arte. Quer entender o vinho mais difícil, quer saber interpretar a Nebbiolo, quer se
sentir Paul Giamatti no filme Sideways, quer descobrir a Pinot Noir. Nesta
altura existe o risco que você se obrigue a gostar dela, porque já entendeu que
se você pedir um Pinot da Borgonha numa loja ou num wine-bar, todo mundo
vai te olhar da mesma forma que os cowboys olham o John Wayne entrar num
saloon: com devoção e admiração.
Neste nível você
acha um vinho perfeito por causa da sua imperfeição, tipo estrabismo da deusa
Venus. Se chegou neste nível, meus parabéns: conheceu o vinho-emoção. Aquele vinho capaz de te levar para outra dimensão, que te faz esquecer do mundo ao seu redor, que vai te dar um turbilhão de sensações, que vai te deixar bobo, sem que você saiba o porquê.